Arena moderna do linchamento

Redes sociais expõem comportamento agressivo Volta por cima após difamação é muito difícil 

PUBLICADO EM 19/07/15 - 03h00

“As mídias sociais dão direito de palavra a legiões de imbecis que antes falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar danos à coletividade. Agora, eles têm o mesmo direito à palavra de um (vencedor do) Prêmio Nobel”. A declaração, uma polêmica verdade nua e crua, é a opinião do autor italiano Umberto Eco, doutor honoris causa em comunicação e cultura dos meios sociais pela Universidade de Turim, na Itália, sobre as redes sociais e a era da internet.

Um desses danos à coletividade são os linchamentos virtuais, situações em que a pessoa recebe uma onda de ataques verbais via redes sociais. “É como se fosse um Coliseu romano, onde as pessoas torcem pelo sacrifício da pessoa que está lutando contra o leão”, compara o professor de comunicação social Alex Primo, que pesquisa mídias sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Às vezes, quem inicia o linchamento tem a certeza de que está ajudando, mas acaba gerando um problema de dimensões impensáveis para outra pessoa. Foi justamente assim que a babá Andréa do Carmo Ezequiel, 35, virou alvo de ataques nas redes em 2013.
Quem conta a história é a patroa de Andréa, a professora universitária Fábia Lima, 40. “Eu estava a dias de ganhar meu segundo filho, Benício. Chegando em casa do trabalho, vi uma notificação de que uma amiga havia me marcado em uma postagem em um grupo de mães do qual eu participo no Facebook”, conta. Nessa postagem, a amiga apresentava Fábia como mãe de Teodoro, na época com 1 ano e meio. O texto dizia também onde Teodoro estudava e a rua onde eles moravam. A postagem já tinha cerca de 600 comentários.
“Fui me inteirar sobre qual era o assunto. Uma mãe do grupo havia feito um post, pela manhã, perguntando quem era a mãe de um menino que se chamava Teodoro, que frequentava uma pracinha em Belo Horizonte”, continua. Nos comentários, essa mãe revelou que precisava denunciar que a babá de Teodoro (Andréa) falava demais ao celular, falava muito alto e maltratava o menino. Armou-se o circo.
“Havia comentários tipo ‘temos que desmascarar aquela vaca’, xingaram a Andréa de coisas horríveis. Uma mãe do grupo foi até o trabalho da minha mãe e denunciou a Andréa para ela. Minha mãe já estava com toda a família pronta para ir à polícia fazer um boletim de ocorrência”, lembra Fábia. Uma conversa pelo telefone depois, e Fábia descobriu que a implicância era mesmo com o jeitão de Andréa, que se defende. “Eu sou brava. Se uma coisa não pode, não vai fazer. Mas é necessário deixar os meninos explorarem os espaços para eles andarem com as próprias pernas. Continuo falando ao celular até hoje, mas sempre com os olhos nos meninos. Isso não me atrapalha em nada”, afirma a babá. Nesse caso, a confiança de Fábia venceu a denúncia e o rebuliço na internet, e Andréa continua trabalhando para a família.
Nem sempre, porém, o desfecho é tão favorável. “Há alguns casos em que as pessoas perderam o emprego, o relacionamento e tiveram que se mudar de cidade”, alerta o professor Alex Primo.
7 Alguns estudiosos não concordam com o termo “linchamento virtual”, como o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo José da Silva Martins. “‘Linchamento virtual’ não existe. Essa é uma força de expressão inventada para acentuar a gravidade de atos de difamação através da mídia ou das redes sociais”, declara. Apesar disso, as consequências podem ser quase tão graves quanto as dos linchamentos reais.
Recuperar-se de um episódio desses é sempre um grande desafio, e não há uma fórmula. Em todos os casos, porém, ela recomenda que se busque ajuda profissional. “A família e os amigos só vão conseguir te ajudar até certo ponto. Um psicólogo vai poder contribuir para criação de novas maneiras de construir o futuro”, afirma a psicóloga Ana Luiza Mano.
Mesmo com o trauma, é possível tirar algo de positivo da experiência. “O linchamento virtual pode ser um alerta de que algo não está certo na sua vida. Se muita gente está contra você, talvez seja a hora de repensar se o local onde você está expressando a sua opinião é apropriado”, pondera Ana Luiza. (RS)
Ataques são amparados por falso anonimato nas redes
Os fatores que tornam possível o fenômeno dos linchamentos virtuais estão ligados a outro problema bem antigo: falta de empatia. “Nas redes sociais, não está em jogo o julgamento das suas próprias ações, mas de um terceiro que você nem conhece. É muito fácil criticar alguém que você não conhece”, constata o professor de comunicação social Alex Primo, que pesquisa redes sociais.
Some-se a isso o fato de que, na internet, os comentários são feitos, e o usuário não presencia a reação do interlocutor. “Você não tem essa percepção do outro, não vê se a pessoa ficou triste, se chorou. Na internet, as pessoas são como se fossem algo genérico”, afirma.
Mas não adianta culpar a ferramenta. A internet ou as redes sociais são tão culpadas pelos linchamentos online quanto os carros pelos engarrafamentos. “Em geral, não é culpa da internet, é culpa do jeito que nós a usamos. Há uma tendência de culpar a ferramenta, mas o usuário tem que pensar que a função que nós utilizamos dela é o que produz esses resultados”, alerta a psicóloga Ana Luiza Mano, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Psicologia da Informática, da PUC de São Paulo.
Para evitar ser vítima ou contribuir para um linchamento virtual, a pesquisadora recomenda: “Pense antes de postar. Para que vai servir esse comentário ou compartilhamento?”. (RS)
Fonte: O Tempo

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