Por trás das esculturas espalhadas por BH, há casos de censura e perseguição

Especialista no tema critica falta de cuidado do poder público com monumentos

Ana Clara Brant - EM CulturaPublicação:14/06/2015 07:00Atualização:14/06/2015 09:07

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De mármore, bronze ou granito. Num pedestal ou mesmo no chão. Dezenas delas estão espalhadas pelas ruas, praças e avenidas da cidade. No entanto, na maioria das vezes, elas passam despercebidas pela população. Por trás dessas figuras de pedra, em geral feitas para prestar homenagem a personalidades ou para marcar datas importantes, há um traço histórico. “As estátuas são consideradas verdadeiros objetos de arte que dialogam com a cidade, e cada uma delas guarda em si pedaços da história do lugar”, afirma a historiadora Clotildes Avellar Teixeira, responsável pela organização, revisão e pesquisa de texto do livro Monumentos de Belo Horizonte, idealizado e coordenado pelo gestor cultural Péricles Mattar de Oliveira.


“Muitos monumentos estão no nosso dia a dia e a gente desconhece, não percebe ou tem pouca informação sobre eles. Como não são tombados, é muito comum eles não serem tão valorizados. Alguns se encontram em estado de completo abandono ou mesmo desaparecidos”, diz Oliveira. Ele aponta o fato de a gestão desses monumentos não ser unificada, mas estar a cargo das regionais, como um complicador nocuidado das peças. “Isso acaba enfraquecendo a administração das estátuas, bustos e esculturas. Poderia haver uma política pública que cuidasse melhor e permitisse uma identificação e iluminação dessas peças.”

A maior parte dos monumentos de BeloHorizonte se encontra dentro do perímetro da Contorno. Muito provavelmente, os mais antigos estão na Praça Ruy Barbosa, a Praça da Estação, datados dos anos 1920 e 1930, como o Monumento à Civilização Mineira, um dos mais imponentes da cidade. Erguido em homenagem aos heróis e mártires mineiros, em bronze e granito, foi criado pelo artista italiano Giulio Starace e pesa cerca de 500 toneladas. A obra foi censurada antes mesmo de sua fundição, quando ainda estava no papel. Na ocasião, foi sugerido a Starace que prolongasse a bandeira levantada pela figura masculina (concebida originalmente nua) e colocada ao alto do monumento, dando as boas vindas a quem desembarcava na Estação Central, de modo a encobrir a região pélvica.

“Era aquela coisa do conservadorismo da tradicional família mineira. Outro caso interessante envolvendo nudez é o das esculturas de mulheres que sustentavam a iluminação dos jardins da Praça da Liberdade. Elas tiveram que ser retiradas de lá em 1924, por ordem do palácio dos governo, a pedido da primeira-dama da época. Atualmente, uma delas pode ser vista no centro de um lago no Parque Municipal”, comenta Clotildes Avellar.

ANDANÇAS 


Um dos aspectos mais pitorescos em relação às estátuas é que elas não são tão fixas como se pensa. “É surreal dizer isso, mas elas transitam e se movem constantemente”, afirma o professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luís Alberto Brandão, que escreveu Saber de pedra, livro em que simula a voz das esculturas narrando histórias por elas presenciadas em praças, parques e cruzamentos de Belo Horizonte. "Quis produzir um texto meio híbrido. Algo literário, ficcional, mas que fosse também pesquisa histórica e ensaio filosófico", resume o autor.

Brandão diz que geralmente elas se 'movem' por uma remodulação da própria cidade, como no caso da Praça da Estação – que diminuiu de tamanho com a expansão da avenida dos Andradas, obrigando a realocação de alguns monumentos – ou mesmo por questões políticas. Um dos exemplos de 'andança' é o do Monumento ao Expedicionário, do artista paulista João Scuotto, inaugurado em 1952, na Praça Rio Branco, a da Rodoviária. Quando a praça foi remodelada, em 1980, a estátua foi transferida para a Praça da Assembleia. Seis anos depois, seguiu para a Praça Afonso Arinos, e hoje, encontra-se na avenida Francisco Sales, na Floresta, em frente ao museu da Força Expedicionária Brasileira (FEB). "É a estátua de um soldado em posição de ataque, e a cidade não sabe onde colocá-lo. O interessante é que ele sempre ficou em pontos importantes de BH", diz o professor.

Outra figura de pedra que rodou bastante foi o busto da heroína Anita Garibaldi. Em 1913, ele foi instalado na Praça Rui Barbosa. No entanto, segundo jornais da época, o comportamento da guerrilheira catarinense, que era muito avançada e ainda havia se separado do marido para ficar ao lado de outro homem, Giuseppe Garibaldi, não era condizente com os padrões vigentes. “Ela acabou sendo levada para um lugar de pouca visibilidade; praticamente esconderam a Anita junto ao portão da antiga avenida Tocantins (hoje avenida Assis Chateaubriand), dentro do Parque Municipal. Mais tarde, em 1929, após a construção do Viaduto de Santa Tereza, o busto foi levado para a Ilha das Garças, hoje Ilha dos Amores, que foi totalmente remodelada à francesa, especialmente para recebê-la”, diz a historiadora Clotildes Avellar.

É no parque também que se encontra o busto de um dos poetas e compositores mais populares da nossa cultura, o maranhense Catulo da Paixão Cearense, autor do clássico Luar do sertão. Segundo o livro Monumentos de Belo Horizonte, a iniciativa da homenagem partiu do jornalista Guimarães Martins, que se juntou ao Grêmio Cultural Catulo da Paixão Cearense, do Rio de Janeiro, à Academia Mineira de Letras e à Prefeitura de Belo Horizonte. Encomendado ao escultor carioca Gilberto Mandarino, o busto, em bronze, foi colocado em um pedestal de mármore, tendo sido entregue à população durante a administração do prefeito Oswaldo Pieruccetti, em meados da década de 1960.

Quem acha que o único tributo em concreto ao mártir da Inconfidência Mineira está na praça que leva o seu nome, aquela grande figura em bronze que impera majestosa no cruzamento das avenidas Brasil e Afonso Pena, está enganado. Há outras duas versões do mártir, uma assinada pelo artista mineiro José Synfronini de Freitas Castro e elaborada a partir de um estudo realizado por coronéis historiadores da Polícia Militar de Minas Gerais.

A estátua, que se encontra na praça Mendes Júnior, em frente ao comando da PMMG, em Lourdes, traz o inconfidente sem barba e cabelo comprido. Segundo os historiadores, em época de execução pública, entendia-se que nada num condenado poderia esconder ou perturbar a imagem do instrumento do castigo (a forca), portanto, a vítima não poderia ser barbuda.
Com base na pesquisa e nos documentos levantados, o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais emitiu um parecer à PMMG, aprovando a estátua do pontos de vista estético e histórico. No ano passado, a imagem de Joaquim José da Silva Xavier ganhou outra interpretação, desta vez pelo artista mineiro Leo Santana. A escultura em bronze, medindo 1,78m e pesando 180 kg, foi colocada em frente à Assembleia Legislativa.

Outra personagem histórica importante que ganhou várias retratações em Belo Horizonte é o ex-presidente Juscelino Kubitschek que tem pelo menos sete esculturas na cidade, sendo duas estátuas e cinco bustos. Em comemoração aos 90 anos de nascimento de JK, em 1992, uma escultura de três metros de altura, de autoria da artista Vilma Noel, foi instalada no Parque Ecológico no Sion, o Parque JK, no final da avenida Bandeirantes. A outra estátua é mais recente, inaugurada em ocasião do centenário de Juscelino, em 2002, e foi confeccionada por Cristina Motta. Em tamanho natural e com as pernas cruzadas, ela se encontra na avenida Carlos Luz, em frente à Newton Paiva.

Ainda há um busto do “presidente Bossa Nova” na Escola de Arquitetura da UFMG, na Savassi, um erguido pelos rodoviários mineiros, em 1953, que fica na sede do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), em Santa Efigênia, e dois na avenida Amazonas – um deles é de autoria de Honório Peçanha, datado de 1958, e está no Cefet, e o outro fica em frente à Divisão de Tóxicos e Entorpecentes, na Gameleira.
Estátuas descem do pedestal

Boa parte deste monumentos se encontra em cima de pedestais, mas, de uns anos para cá, o artista plástico e escultor mineiro Leo Santana procura aproximar estátuas e bustos das pessoas. Sua estátua mais famosa está no Calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro, e retrata o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade sentado num banco e contemplando a paisagem.

Na capital mineira, são de Leo Santana as estátuas dos escritores Roberto Drummond e Henriqueta Lisboa, na praça da Savassi; Encontro marcado, que traz Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino e Fernando Sabino na entrada da Biblioteca Pública Estadual Professor Luiz de Bessa e a obra Praça da Poesia com as esculturas dos amigos Carlos Drummond e Pedro Nava, na confluência das ruas da Bahia com Goiás. Na Assembleia estão Tiradentes, Monumento aos Doadores de Órgãos e o Diretas-Já, com as estátuas dos políticos Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela. Os detalhes das obras, como sapatos, mangas dobradas e óculos, exatamente como as personalidades retratadas costumavam usar, chamam a atenção.

“Antigamente, tínhamos muitos monumentos de político. Isso vem mudando. Hoje, temos muitos trabalhos retratando artistas, escritores. Fora que boa parte delas fica na calçada. A pessoa acaba tocando, tirando foto e estabelecendo uma relação de mais afeto com a obra”, observa o gestor cultural Péricles Mattar.

Já o professor Luís Alberto Brandão considera Belo Horizonte uma cidade pobre nesse quesito e com poucas referências urbanas relevantes, daí a importância dessas figuras de pedra e bronze. “A cidade já tem uma cara, e eu acho que as estátuas desempenham um pouco esse papel. Por isso, tem que cuidar, olhar com carinho, porque elas são verdadeiras obras de arte que estão aí na nossa frente o tempo todo para poderem ser contempladas.”

MONUMENTOS DE BH
Confira as características das principais esculturas públicas da cidade


1 - Monumento à Civilização Mineira: Com 15 metros de frente por 12,5 de altura, o monumento, de 1930, e que fica na Praça da Estação, pesa em torno de 500 toneladas e também é conhecido como Monumento à glória eterna de Felipe dos Santos. A escultura foi censurada antes mesmo da fundição. Segundo artigo publicado no Estado de Minas, em outubro de 1973, assinado por José Clemente, a nudez da estátua que compõe a obra, do artista italiano Giulio Starace, não foi executada conforme a proposta original. Starace chegou a ficar furioso porque fora forçado a mutilar a sua concepção artística.

2 - Monumento ao expedicionário: Idealizado pelo ex-pracinha Antônio Nascimento, o monumento em bronze do artista plástico João Scuotto, foi erguido em homenagem à memória dos mineiros que não voltaram da Itália após o fim da II Guerra. Inaugurada em 1952, na praça Rio Branco (a da Rodoviária), a obra foi transferida na década de 1980 para a Praça Carlos Chagas, da Assembleia. Anos depois, após uma série de protestos dos ex-combatentes, a escultura voltou a ocupar uma praça na região central, a Afonso Arinos. Em 2012, após ser vítima de vandalismo, ela “andou” de novo para o seu atual endereço: a avenida Francisco Sales, na Floresta, em frente ao museu da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

3 – Busto de Anita Garibaldi: Datado de 1913, o busto foi idealizado pelo deputado Fausto Ferraz e foi instalado na Praça Riu Barbosa (Estação). Esculpido em bronze pelo escultor italiano João Bassi, que era administrador da jazida de mármore de Arcoverde, em Minas, a obra foi levada para um local de pouca visibilidade, em 1926: o portão da antiga avenida Tocantins (hoje avenida Assis Chateaubriand). A alegação da transferência, de acordo com os jornais da época, era que o comportamento da guerrilheira catarinense, que era muito avançada, não era condizente com os padrões vigentes. Em 1929, após a construção do Viaduto de Santa Tereza, foi levada para a Ilha das garças, hoje Ilha dos amores, que foi totalmente remodelada à francesa, especialmente para recebê-la.

4 – Milton Campos: Obra do renomado escultor, desenhista e professor Alfredo Ceschiatti, a estátua de bronze e mármore tem 3 metros de altura e pesa quase 800 kg. A escultura, que ocupa a praça de mesmo nome, no cruzamento da Afonso Pena com a Contorno, foi confeccionada em quatro partes, modeladas e fundidas separadamente. Cabeça, tronco, quadril e coxa, panturrilhas e pernas. Após soldada, foi inicialmente instalada no canteiro central da Afonso Pena. Devido à alteração do trânsito local, foi transferida para o passeio lateral da praça sendo restaurado por Fabrício Ferdinando, em 1999.

5 – Roberto Drummond: Medindo 1,70m com aproximadamente 200kg, a estátua criada por Leo Santana foi inaugurada, em 2003, pouco tempo depois da morte do escritor em um dos locais que ele mais gostava de passear, a Praça da Savassi.

6 – Encontro marcado: Outra obra de Leo Santana em BH, inicialmente foi instalada em 2005, na praça Carlos Drummond de Andrade, entre os prédios da Secretaria de Estado da Fazenda e do Centro de Referência do professor, no conjunto da Praça da Liberdade e é um tributo à memória dos escritores que ficaram nacionalmente conhecidos como os 'quatro cavaleiros do Apocalipse': Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino e Fernando Sabino. Atualmente, as estátuas encontram-se na entrada da Biblioteca Pública Estadual Professor Luiz de Bessa.

7 – Tiradentes: Possui pelo menos três estátuas na cidade. Uma delas é de autoria do artista mineiro José Synfronini de Freitas Castro e foi elaborada a partir de um estudo realizado por coronéis historiadores da Polícia Militar de Minas Gerais. A estátua, que se encontra na praça Mendes Júnior, em frente ao comando da PMMG, em Lourdes, traz o inconfidente sem barba e cabelo comprido. No ano passado, Joaquim José da Silva Xavier ganhou a sua interpretação feita pelo artista plástico mineiro Leo Santana. A escultura em bronze, de 1,78m e 180 kg (mais 80 cm de base), foi colocada em frente à Assembleia Legislativa. No entanto, a mais conhecida é a de autoria do artista holandês radicado no Brasil, Antônio Van Der Weill, e fica justamente na praça Tiradentes, que na época,1962, foi remodelada e uma lage de concreto colocada sobre o córrego do Leitão que ainda corria a céu aberto pela Afonso Pena. Atrasos na entrega da obra e problemas estruturais fizeram com que, na inauguração, a peça fosse substituída por uma réplica de gesso, trocada pela original, cinco meses mais tarde, em janeiro de 1963. A estátua mede 6,50 m e pesa 1.400 kg.

Fonte: Livro Monumentos de Belo Horizonte (Péricles Mattar de Oliveira e Clotildes Avellar Teixeira)

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